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Republicando: em favor da ética

Este post já foi publicado mas algo aconteceu com o link que algumas pessoas não conseguem visualizar. Estou postando novamente então:

Tenho assistido com bastante atenção aos movimentos que estão sendo feitos em direção à NEUROCIÊNCIA. De todos os cantos, de todas as áreas do conhecimento, seja para assimilar ou para condenar, a ciência do cérebro tem estado na ordem do dia. Quero me dar o direito de fazer alguns esclarecimentos aos menos avisados.

NEUROCIÊNCIA escrita assim, sem “S” no final, deriva da proposta de que todas as abordagens científicas que sejam feitas sobre o cérebro e seu funcionamento estejam reunidas sob uma mesma ótica de pensamento, sob uma mesma ciência. Isto, na pior das hipóteses, permite uma visão mais abrangente de cada um dos cientistas que trabalha com aspectos particulares do estudo do cérebro. Reunidos em congressos e sociedades únicas, estes cientistas trocam informações de modo mais eficiente e podem produzir avanços mais rapidamente do que quando isolados em áreas de conhecimento como a farmacologia ou a biofísica. Pesquisadores que produzem ciência em áreas como a eletrofisiologia podem atingir ganhos substanciais quando participam de grupos onde os estudos do comportamento ou mesmo da neurofarmacologia estejam sendo praticados. Neste sentido, em 1969, foi fundada a Society for Neuroscience (note que a palavra está no singular) com o objetivo de congregar todos os “neuroalgumacoisa” sob um mesmo teto. Outras sociedades se seguiram a esta. Hoje temos organizações que congregam neurocientistas em todas as partes do mundo. No Brasil, temos a SBNeC. Há até uma mundial, a IBRO, que tem como membros as sociedades neurocientíficas de todos os continentes.

Simultaneamente, a neuropsicologia também cresceu e se desenvolveu. Na neuropsicologia a tentativa é de agregar conhecimentos sobre o funcionamento mental e sobre o funcionamento cerebral para aplicações clínicas, diagnósticas e terapêuticas mais diretas. No Brasil, a SBNp congrega os neuropsicólogos (note-se que neuropsicólogos não são exclusivamente psicólogos interessados no cérebro, mas profissionais das mais diferentes formações).

Kandel, prêmio Nobel de 2000, afirma nos capítulos introdutórios de sua BÍBLIA (Principles of Neural Science -1995) que a neurociência deveria congregar todas as abordagens biológicas e humanísticas que tenham como foco o estudo do cérebro, da mente e do comportamento. Kandel ainda hoje está a frente de seu laboratório e seus discípulos, acredito que decepcionados com o rumo da neurociência, já falam em uma nova abordagem intitulada de neuropsicanálise. Outros cientistas insistem em usar o termo no plural. Para eles, NEUROCIÊNCIAS poderia dar a idéia de que várias ciências anteriores a esta estão reunidas neste mesmo teto. Para mim a idéia de unidade, de todo mundo junto, me agrada mais.

Mas, é justamente por causa deste “tudojuntoaomesmotempo” e da falta de ética que governa nossa sociedade, que todo mundo agora se intitula neurocientista. Basta ter feito um ou dois cursos à distância ou mesmo ter lido algumas matérias sobre o assunto, que o cidadão acha que vai se aproveitar do impacto que o estudo do cérebro tem sobre as pessoas e reunir multidões para usar-se de antigas técnicas de hipnose e convencer aquelas pessoas de que o que está sendo dito ali tem alguma proximidade com a CIÊNCIA. Se não é ciência muito menos pode ser NEUROCIÊNCIA (e aqui não importa se tem “S” ou não, ok?). Para ser cientista precisa primeiro de um laboratório, né? Ou no mínimo ter estado em um por algum tempo da sua vida. Precisa ter no currículo algo como uma especialização, pelo menos, seno que o desejável é mesmo um título de doutor. Mas, infelizmente, não é isso que está acontecendo.

Em favor da verdade, tenham critério quando lerem sobre neurociência. Mesmo que o intuito seja só o da divulgação científica. A neurociência ainda precisa fazer um movimento agregador com a filosofia e com a psicologia. Discussões baseadas nas mais recentes imagens cerebrais obtidas e experimentos com animais de alto aprimoramento metodológico têm muito a contribuir, mas não se pode deixar de lado séculos de discussão e conhecimento humano. Ainda não temos nada conclusivo. Mas o charme da ciência é justamente esse.

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